quarta-feira, 22 de junho de 2011

Pensamento concreto

Sempre quando falo sobre autismo para alguém, lembro logo de explicar sobre a dificuldade de comunicação, algo que só quem convive, de fato, entende. Lembro de alguém me dizer que eu estava exagerando quando enviei um e-mail para alguns familiares e amigos, falando sobre o diagnóstico do Gabriel. Uma pessoa próxima me disse: "Nossa! Que exagero seu, o Gabriel fala. Quem lê o seu e-mail pensa que ele nem sequer abre a boca". Isso por que na mensagem eu dizia que era muito triste buscar meu filho na escola sem conseguir saber o que ele tinha vivenciado naquela manhã, o que ele tinha aprendido, do que ele mais havia gostado. Toda mãe com filho em idade escolar espera um relato sobre seu dia na escola. E, apesar dele falar, ou seja, ter uma dicção perfeita, tudo o que escutava eram palavras soltas, sem conexão, frases incompletas, sem sentido,  palavras que precisavam da minha interpretação para serem compreendidas - se é que a minha leitura da situação correspondia, de fato, ao ocorrido. Isso exemplifica  o problema na comunicação. Certamente, o conceito de comunicação para a pessoa que me criticou, se resumisse em simplesmente falar, mas comunicação é muito mais que isso. É você poder sustentar uma conversação com perguntas e respostas correspondentes, é ter um diálogo coerente e inteligível, é ter uma opinião acerca de um assunto e se fazer entendido. Isso na época eu não tinha. Ainda hoje, ele ainda tem muitas dificuldades, mas passado 1 ano e 8 meses do diagnóstico, o Gabriel consegue se expressar um pouco melhor, ainda que não consiga relatar com detalhes sua rotina ou sustentar um diálogo por muito tempo. Podem ser necessárias muitas perguntas pois às vezes não é de primeira que ele entende. Como assim? Tenho um exemplo clássico: Qual é o seu nome? Ele responderá Gabriel. Mas se a pergunta for: Como você se chama? A resposta pode ser um silêncio ou a mudança de assunto para algo que ele domine. Por isso, haja imaginação para se formular perguntas. Tenho um estoque delas, prontinhas para serem usadas. Apesar disso,  sinto que ele melhorou sim. Talvez não o tanto que gostaria, mas já aprendi a respeitar os limites de minhas expectativas. E sei que ele também está dando o seu melhor. 
O falar está acompanhando melhor o seu pensar. A espontaneidade em criar frases também está presente. Antes era uma repetição (ecolalia) sem fim dos diálogos dos filmes e desenhos animados, o que ainda acontece, mas numa frequência menor. A curiosidade está presente e a iniciativa em perguntar também. Outro dia perguntou o que era IPTU.  Achei ótimo. 
O pensar concreto ainda está presente e bem forte. Para os autistas é uma tarefa difícil pensar em coisas abstratas. Tudo é literal, pela dificuldade em usar a imaginação. Dia desses ele estava comendo strogonoff e comeu tudo, porque estava uma delícia, então eu perguntei qual era o nome do prato, referindo-me ao nome da comida. Ele então, instantaneamente, levantou o prato para ver se havia algum nome escrito embaixo dele.  Em outra situação, pedi que ele pegasse uma caneta, que estava bem na sua frente. - Gabriel pega essa caneta pra mim? - Qual caneta? - Essa bem na sua frente. - Qual mamãe? Qual? - Essa que está bem na sua cara!!!! - respondi impacientemente. Quando olhei pra ele, estava passando a mão no seu rosto pra tentar achar a caneta. No fim das contas nos divertimos com as situações e tentamos tirar lições delas. Tanto eu, quanto ele. Difícil vai ser falar pra ele nunca engolir sapo. Já imaginou?